A mente humana

Certamente a mente humana depende em grande parte da memória. Um pensador italiano dizia que “somos aquilo que lembramos”. Já outro, acrescenta que “também somos o que decidimos esquecer”. De acordo com nossos hábitos e personalidade, podemos não esquecer as ofensas e as agressões jamais, e nesse caso estaremos propensos à amargura, à paranóia ou ao ressentimento. Podemos escolher esquecê-las por completo ou reprimi-las, até que desapareçam do nosso acervo de memórias importantes, e nesse caso ficaremos muitas vezes indefesos perante a sua repetição. Podemos também, entretanto, escolher reprimi-las ou extingui-las até que passem a ficar fora do acervo das memórias de uso diário e facilmente acessíveis, mas à nossa disposição caso se tornem necessárias; por exemplo, quando for oportuno esquivar-nos ou defender-nos de novas ofensas e agressões.

Nossa mente possui os mecanismos para escolher entre essas possíveis soluções. O uso repetido de uma ou outra delas nos leva por rumos diferentes em relação à nossa personalidade; e a personalidade não é algo que se obtém como um diploma em uma certa idade: podemos mudá-la ao longo da vida, como produto das memórias deixadas pelas experiências. O mundo está cheio de pessoas que já foram “boazinhas” e, como conseqüência de uma guerra, uma humilhação ou um infortúnio, se tornaram ressentidas e perigosas. E também de outras que já foram ressentidas e amarguradas e depois de um sucesso, um golpe de sorte, o amor de alguém, o amor de muitos, a realização pessoal ou qualquer outro motivo, tornam-se tolerantes, benevolentes e de trato agradável e frutífero.

As mudanças de personalidade pelo conjunto de experiências que temos são muitas vezes inconscientes e até involuntárias; outras vezes são conscientes e produto de nosso julgamento sobre o que é que mais nos convém na sociedade em que vivemos, e de nossa análise cuidadosa das características dessa sociedade. Isso inclusive acontece também com os animais. É fácil verificar mudanças de temperamento em cachorros ou outros animais de estimação ou de laboratório submetidos a experiências da índole mencionada no parágrafo anterior. Não é por casualidade nem por erros inatos da carga genética que há cachorros que jamais mordem a mão de quem lhes dá comida, e outros que sempre o fazem. Os animais também são aquilo que lembram e aquilo que escolhem esquecer.

É bem presente que, em todo momento de nossa vida, a cada minuto, estamos com algum estado de ânimo ou emocional determinado, e em determinado estado sentimental; e que ambos são facilmente mutáveis. Os estados de ânimo, as mudanças de humor e os estados sentimentais causam e são regulados por vias cerebrais muito bem definidas, e cada uma delas atuam sobre receptores bem diferentes espalhados por todo o cérebro. Alguns desses estados favorecem a aquisição ou a evocação (que significa trazer à lembrança) dos mais diversos tipos de memória. Mas dependendo do estado emocional da pessoa, pode-se afetar a formação de algumas destas memórias, como as de curto e longo prazo.

A memória de curto prazo é aquela que mantém as informações por um curto período de tempo. Por exemplo, ao ouvir um número de telefone, esse é mantido na memória de curto prazo por tempo suficiente para que se realize a ligação, podendo posteriormente, ser perdido ou fixado. A memória de longo prazo refere-se a um sistema onde a informação é armazenada por um tempo prolongado e está disponível para evocação sempre que necessário. Por exemplo, usamos este tipo de memória quando nos recordamos da data de aniversário de um velho amigo.

A mente humana abrange, porém, muito mais do que a memória. Nas funções mentais participam a percepção, o nível de alerta, a seleção do que queremos perceber, recordar ou aprender, a decisão sobre o que queremos fazer ou deixar de fazer, a vontade, a compreensão, os sentimentos, as emoções, os estados de ânimo e tudo aquilo que é englobado sob os conceitos de inteligência e consciência. Todas estas variáveis são fortemente influenciadas pelas memórias e vice-versa; mas são entidades separadas da mesma e com mecanismos próprios. Como resultado do registro de variáveis internas ou externas que aumentam ou diminuem os níveis de alerta e atenção e causam ou não ansiedade ou estresse, ocorrem mudanças somáticas (no corpo) que nem sempre se relacionam com a memória: hiperventilação, taquicardia, aumento da pressão arterial, dos movimentos e secreções do tubo gastro-intestinal, secreção de bílis, etc. O estresse repetido pode alterar alguns dos parâmetros fisiológicos mencionados (pressão arterial, freqüência cardíaca, secreção gástrica) de forma permanente.  É claro que todos estes fenômenos por sua vez afetam a atividade nervosa e, dentro dela, as funções mentais, inclusive as referentes à memória.

A mente é uma das partes mais complexas do corpo humano e ainda há muito o que se aprender e estudar. Porém, atualmente sabemos muitas coisas novas e importantes sobre alguns aspectos da mesma e sua patologia, principalmente sobre a percepção e a memória. E também sabemos tratar muito melhor essas patologias do que há dez anos atrás, por exemplo.

Portanto, devemos estar sempre atentos a qualquer parte do nosso corpo, sobretudo a memória, já que possui tamanha importância. Somente assim poderemos prevenir, recuperar ou curar doenças da mente que afetam a memória, a atenção, o raciocínio, causam depressão, entre outras.

Fonte: texto escrito pela autora para o jornal Saúde em Dia.




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