A construção da memória

Você se lembra da última reportagem que leu, antes de virar a página e chegar a esta? E do cardápio do café da manhã de hoje? Sabe também nomear os personagens de um livro que leu há algum tempo? Se respondeu afirmativamente a estas questões, parabéns. Sua memória está afiada. Ou melhor, não ela, mas o complexo sistema cerebral que a constitui. É que as lembranças não se processam de uma maneira unitária, isolada. Para se ter uma idéia, só para responder às perguntas acima, você ativou dois tipos de memória: de curta duração e de longa duração. Complicado? Nem tanto. Atualmente, a teoria das “várias memórias” é a mais aceita para se explicar um campo até a pouco totalmente ignorado. Só agora, no final da chamada década do cérebro, os cientistas começam a desvendar esse misterioso circuito da mente.

As pesquisas, cada vez mais sofisticadas, estão revelando facetas intrigantes que prometem dar respostas sobre o funcionamento da memória. Biólogos da Universidade de Princeton, nos Estados Unidos, mostraram em macacos que os neurônios ou células cerebrais são capazes de se multiplicar. É uma informação preciosa. Até há pouco tempo, acreditava-se que os neurônios não tinham essa capacidade. Ou seja, uma vez danificados, eles não voltariam a cumprir suas importantes funções dentro do cérebro. Saber que eles podem se recuperar abre uma frente otimista no tratamento de doenças degenerativas como o mal de Alzheimer, já que poderá haver a possibilidade de substituir células danificadas por novas. Na memória, essa constatação é importante porque apresenta a possibilidade de se ter estoques de novas células capazes de reter mais informações. A experiência, no entanto, ainda não foi realizada em humanos.

Num outro texto, comentamos sobre alguns dos vários tipos de memória. Para recordarmos rapidamente, temos a memória de curto prazo ou curta duração que armazena informações por período limitado. Por exemplo: você lê e guarda um dado que será preciso para a realização de um trabalho. Assim que finaliza a tarefa, logo a esquece, e não transfere a informação para a memória de longa duração, que é um outro tipo de memória, e que pode durar a vida inteira.

A memória de longa duração se subdivide em duas categorias: a explícita (que inclui as memórias episódica e semântica) e a implícita. Na primeira registram-se os acontecimentos do dia-a-dia (memória episódica), como lembrar que tomou café da manhã; e também o conhecimento geral dos fatos e objetos (memória semântica). Já a memória implícita é aquela que não se explica conscientemente. É o nosso “automático”, acessado quando temos de amarrar um sapato ou dirigir, por exemplo. Fazemos automaticamente.

Quando a pessoa tem um declínio ou déficit da memória devido alguma doença ou envelhecimento, ocorre o esquecimento, as falhas da memória, da atenção, e conseqüentemente, problemas no dia-a-dia. Alguns exemplos de doenças que causam demências são tumores intracranianos, esclerose múltipla, Parkinson (40% dos casos), demência por falta de vitamina B12, entre outras. Mas a mais comum e citada acima é o Mal de Alzheimer, que quando diagnosticada no início, consegue-se contornar os sintomas mais satisfatoriamente.

Aquela antiga idéia de que o velho só se lembra de fatos remotos e se esquece dos acontecimentos recentes pode ser sinal de que algo não vai bem. Se isso ocorrer, é importante procurar um profissional. Mas, mesmo que não se esteja sofrendo de nenhuma doença, muitos especialistas afirmam que, com a idade, a memória tende a sofrer um decréscimo. Até porque os idosos em geral não costumam estar atentos a fatos do dia-a-dia. E a atenção é um item importante para a fixação de novas informações. A falta de memória nos idosos esconde problemas como desmotivação e perda de autoconfiança. Eles só têm expectativas pessimistas e não gravam novos acontecimentos. Mas, como a memória é limitada, o melhor a fazer, portanto, é não “gastá-la”, armazenando fatos irrelevantes. Não é saudável saber tudo de cor. Organizar uma agenda, escrever uma lista de supermercado e selecionar o que realmente precisa ser lembrado são uma boa maneira de poupar a memória.

Se informações inúteis sobrecarregam a memória, o mesmo não se pode dizer sobre atividades que são verdadeiros estímulos para o cérebro. Ler, conversar, exercitar e estimular a criatividade são fundamentais. Pode parecer simples, mas essas atividades aumentam o número de conexões entre os neurônios (sinapses). Quanto maior o número de sinapses, melhor a memória e a capacidade intelectual. Para provar que os estímulos são fundamentais para a memória, um neurofisiologista coordenou uma pesquisa em que foram analisados jovens entre 12 e 18 anos que cursavam respectivamente a sexta série ginasial e a terceira série colegial. Analisou também dois grupos de idosos. O primeiro tinha no máximo até a quarta série do ensino fundamental e o segundo possuía curso superior. O resultado mostrou que o idoso com curso superior tinha a mesma capacidade de memorização do que um jovem que cursava o colegial. Em outras palavras, para manter a memória viva o melhor a fazer é usá-la. E bem.

Além dos exercícios, o interesse e a paixão por aquilo que se faz são condições perfeitas para se fixar novas informações. Sem isso não há atenção. E sem atenção praticamente não existe memória.

 Fonte: matéria escrita pela autora para o jornal Saúde em Dia.



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